Para o órgão, parte do empregado no vale-transporte deve ser incluída no cálculo da contribuição previdenciária. Caio Taniguchi, sócio da TSA Advogados, destaca que existem boas decisões judiciais a favor das companhias, mas como ainda não há nada nos tribunais superiores, ele tem classificado esses processos como perda possível.

Por Adriana Aguiar, Valor Econômico

A Receita Federal publicou orientação contrária ao que grande parte das empresas tem adotado durante a crise. O órgão entendeu que os valores descontados dos empregados pelo vale-transporte e pelo vale-alimentação devem ser incluídos na base de cálculo das contribuições previdenciárias.

O entendimento está na Solução de Consulta nº 58, publicada recentemente pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit). Sobre as parcelas pagas pelo empregador, já havia a orientação de que devem ser excluídas no cálculo, como já definiu o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Muitas empresas estão passando por um desafio financeiro e têm buscado oportunidades de economia tributária e esse é um assunto que tem sido muito implementado”, diz Luiza Lacerda, sócia da área de tributário do BMA Advogados. O impacto da discussão, acrescenta, é relevante, principalmente para empresas que têm muitos funcionários.

A consulta à Receita foi feita por uma autarquia federal. No pedido, buscava saber se é obrigada a efetuar a retenção de 11% do valor discriminado em nota fiscal, fatura ou recibo de prestação de serviços a título de contribuição previdenciária patronal incidente sobre valores totais ou descontada a quota parte dos empregados, correspondentes a vale-transporte e auxílio-alimentação. Apesar do caso ser específico, advogados afirmam que o entendimento deve ser aplicado por todas as empresas.

No caso do vale-transporte, a Receita entendeu que “não há que se cogitar da possibilidade de a empresa poder deduzir da base de cálculo do tributo devido verba que não lhe pertence”. De acordo com o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 7.418, de 1985, os funcionários podem ter descontados até 6% do seu salário básico.

Já com relação ao auxílio-alimentação, a decisão ressalta que, com a entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei nº 13467, de 2017), passou a ser possível deduzir o gasto com alimentação, desde que não seja pago em dinheiro. Contudo, acrescenta, “se eventual parcela desse auxílio for descontada da remuneração do empregado, esses valores comporão o salário de contribuição e, portanto, não serão dedutíveis da base de cálculo, seja ele calculado sobre a folha de pagamento ou relativo à retenção de 11% do valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços”.

De acordo com a advogada Luiza Lacerda, essa é a primeira orientação formal da Receita que trata do vale-transporte. Já sobre vale-alimentação, o órgão já tinha publicado o mesmo entendimento na Solução de Consulta Cosit nº 4, de 2019.

Diante dessas orientações, afirma, as empresas que têm tomado esses créditos podem optar por aguardar e, caso sejam autuadas, poderão primeiro discutir o tema administrativamente. Ou, no caso das mais conservadoras, podem levar o assunto de forma preventiva ao Judiciário.

A discussão na Justiça ainda é incipiente, mas já existem algumas decisões, principalmente em primeira instância, favoráveis às empresas, segundo Luiza. O tema específico ainda não chegou aos tribunais superiores. “O STF quando manifestou seu entendimento não fez distinção sobre os valores pagos pela empresa ou descontados. Temos bons argumentos a favor dos contribuintes”, diz.

Caio Taniguchi, sócio da TSA Advogados, destaca que existem boas decisões judiciais a favor das companhias. Mas como ainda não há nada nos tribunais superiores, ele tem classificado esses processos como perda possível. “Quando a tese nasceu em 2018, 2019, as decisões eram mais favoráveis, mas ainda não há uma definição”, diz ele, acrescentando que no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) há poucas decisões sobre o tema.

Professor de Direito na PUC-SP Wagner Balera, sócio do Balera, Berbel & Mitne Advogados, afirma que o Estado não pode legislar por meio de solução de consulta. No caso, segundo ele, a lei específica que regula as contribuições sociais da Previdência Social diz expressamente que essas verbas estão excluídas da base de cálculo. “Não há dúvida nenhuma”, diz.

Para ele, trata-se de uma manobra do Fisco para aumentar a arrecadação. “Não me surpreende esse posicionamento da Receita”, afirma o professor. Na base de cálculo da contribuição, diz, só deve entrar a remuneração do trabalhador. São valores que refletem nos benefícios concedidos pela Previdência Social. “Esses valores não repercutem nesses benefícios assegurados. Portanto, não integram sua base de cálculo.”

Apesar da orientação do órgão, o advogado Gustavo Mitne, sócio do Balera, Berbel & Mitne Advogados, afirma que a doutrina tem sido favorável ao contribuinte e que várias empresas têm tomado esses créditos. Em um caso que ele assessorou, afirma que o próprio delegado da Receita Federal entendeu que não cabia a cobrança.

Publicado no Valor Econômico.

TSA Advogados

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