Pagamentos baseados em ações: como tratá-los?
Um dos mais recentes embates entre Fisco e contribuintes, em matéria de custeio previdenciário, se refere ao tratamento que deve ser dispensado aos pagamentos realizados em favor dos trabalhadores por intermédio de ações ou de instrumentos baseados em ações.
A ausência de regulamentação legal a respeito do tema, cumulada com os vultuosos valores a ele relacionados, enchem o “pote de mel” para lambuzar a sanha arrecadatória do Fisco.
Conceito e finalidade
Desde o início dos anos 2000, influenciado pela cultura norte-americana, o Brasil intensificou o número de lançamentos de programas de pagamentos baseados em ações, com a finalidade de atrair, reter e engajar altos executivos das empresas.
O modelo mais usual – e que é objeto do presente artigo – é denominado “plano de opção de compra de ações” (stock option plan), que consiste na outorga do direito a determinado trabalhador (geralmente aqueles que detém a maior responsabilidade pela geração dos resultados almejados pela empresa) de adquirir uma determinada quantidade de ações da empresa, em um prazo futuro predeterminado, mediante pagamento de um valor definido na data da outorga.
O conceito é: quão maior for a valorização das ações da empresa, entre a data da outorga e a data de exercício do direito de aquisição das ações, maior será o benefício econômico experimentado pelo trabalhador (que poderá adquirir as ações da empresa por um valor inferior ao praticado pelo mercado). Há um compartilhamento de riscos e oportunidades entre empresa e trabalhador, já que terão que dispor de recursos financeiros para a execução do instrumento.
Consequentemente, o plano de opção de compra de ações gera verdadeiro alinhamento de interesses (valorização da empresa), assim como a retenção (durante o período em que o trabalhador não tem o direito de adquirir as ações) e o engajamento do trabalhador (que buscará exercer os seus melhores esforços com a crença de que influenciará na valorização das ações).
A extrema volatilidade do mercado de ações brasileiro, especialmente nos últimos anos, tem gerado dúvidas quanto a atratividade do plano de opções de compra de ações (já que nem o melhor desempenho individual dos trabalhadores tende a gerar algum impacto positivo no mercado de ações – o que coloca “em cheque” o fator retenção), mas a verdade é a de que o lançamento de instrumentos dessa natureza está longe do fim.
Caio Taniguchi Marques, sócio do TSA Advogados e especialista em Direito Previdenciáro
Legislação e jurisprudência
Como exposto inicialmente, os pagamentos baseados em ações não contam com regulamentação legal. As únicas normas que tratam da matéria são o art. 168, §3º da Lei nº 6.404/76 (que trata da possibilidade de instituição dos programas de opção de compra de ações) e o art. 33 da Lei nº 12.973/14 (que trata da dedutibilidade das despesas relacionadas ao programa, na hipótese de possuírem natureza remuneratória, mas sem definir quais são as características necessárias para considerá-lo como sendo de natureza remuneratória).
Desconsideramos, propositadamente, as disposições contidas no Pronunciamento Contábil CPC10 (que trata dos pagamentos baseados em ações), porque não interferem (e não deveriam interferir) na definição da natureza jurídica dos pagamentos relacionados aos stock option plans.
Recentemente, houve uma tentativa do Fisco em aproveitar o marco legal das startups – já que são comuns os aportes financeiros em startups (investidores “anjo”) cuja contrapartida é o recebimento futuro de ações da empresa – para regulamentar a matéria, sob o falacioso pretexto de atribuir maior segurança jurídica ao tema. Felizmente a pretensão do Fisco não foi aceita, pois almejava transformar quaisquer pagamentos baseados em ações, independentemente das suas características, em parte da remuneração do trabalhador.
Dessa forma, nos socorremos da jurisprudência trabalhista e fiscal a respeito da matéria, que atualmente caminham a par e passo, para dar um “norte” aos contribuintes. Com efeito, são quatro os elementos que devem ser atendidos para afastar a natureza remuneratória aos pagamentos decorrentes do plano de opção de compra de ações:
Finalidade: deve buscar o alinhamento de interesse entre acionistas e trabalhador, mediante a possibilidade desse último se tornar sócio (ônus e bônus); por isso, o plano não deve condicionar o potencial benefício econômico ao atingimento de metas individuais.
Facultatividade: o trabalhador deve expressar sua manifestação de vontade, na adesão ao programa e na aquisição das opções/ações; ou seja, a empresa não pode obrigar o trabalhador ao exercício das opções (aquisição das ações).
Onerosidade: o trabalhador deve dispor de recursos próprios para a aquisição das opções/ações; portanto, a empresa não pode oferecer subsídios para a aquisição das ações.
Risco: o valor de aquisição da opção/ação deve ser apto a expor o trabalhador a risco financeiro (perda do investimento), motivo pelo qual não pode ser atribuído um valor irrisório à ação.
A nosso ver, a jurisprudência é extremamente acertada. Distingue um contrato de compra e venda da remuneração decorrente da prestação dos serviços.
Uma reflexão final: o fato da empresa dispor de um de seus ativos (no caso, suas ações) em favor de seus trabalhadores, por um valor eventualmente inferior àquele praticado no mercado, não o transforma em parte integrante da remuneração. Não faz sentido que uma montadora ofereça seus veículos aos trabalhadores com desconto ou que uma indústria de cosméticos ofereça seus produtos aos trabalhadores com desconto, sem que disso decorra a conclusão de que o desconto configura o pagamento de remuneração? Se sim, por que considerar que a concessão de desconto na aquisição de ações deveria ser tratada de forma diversa?
Publicado no Portal Contábeis.