MP 936 pode livrar empresas de autuações bilionárias sobre PLR
Medida Provisória tem efeito retroativo e dificulta tributação de programas. Segundo Caio Taniguchi, sócio da TSA Advogados, a PLR ainda é o instrumento de remuneração variável mais praticado no país, por ser de fácil implementação e ter bom benefício fiscal e trabalhista.
Por Raphael Di Cunto e Beatriz Olivon, Valor Econômico
O Congresso ressuscitou na Medida Provisória (MP) 936 mecanismos que dificultam a tributação de programas de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). A proposta estava originalmente na MP 905 – que criava também o Emprego Verde e Amarelo. O texto, porém, acabou perdendo a validade por falta de votação.
Os parlamentares acrescentaram adendo à MP 936 e, além de retomarem o tema PLR, estabeleceram que as novas regras terão efeito retroativo, o que deve reverter autuações bilionárias da Receita Federal, principalmente contra os bancos.
A MP, que possibilita o corte de salários e redução de jornada durante a pandemia, foi reencaminhada pelo Senado para o governo anteontem, após uma correção de redação. O presidente Jair Bolsonaro tem até 14 de julho para decidir quais partes sanciona.
Entre políticos e advogados, a expectativa é que pelo menos a mudança na legislação da PLR tenha o aval do Executivo, já que constava na MP 905. Há dúvidas sobre a retroatividade, que foi incluída no texto após o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) rejeitar a aplicação das regras enquanto a MP 905 estava em vigor, com o argumento de que ela não se aplicava ao passado.
O novo texto deixa claro que as regras têm caráter “interpretativo” e, portanto, aplicam-se aos processos em andamento para derrubar autuações fiscais. Instituições financeiras travam disputas bilionárias no Carf e na Justiça contra a Receita, que tem acusado empresas de usarem o programa para pagar salários sem precisar arcar com os encargos trabalhistas.
Programas de PLR de até R$ 6,6 mil são isentos de Imposto de Renda, o que favorece o trabalhador, e o benefício não está sujeito à contribuição previdenciária nem FGTS, o que reduz os gastos das empresas. A ideia do programa é dar um bônus por metas atingidas.
A tributação de PLR é uma das prioridades da Receita e está frequentemente na pauta do Carf. De 2015 para cá foram mais de 320 acórdãos sobre o assunto – a maioria contra as empresas. O BTG e suas controladas são parte em 39 desses processos, em um litígio que envolve R$ 608,9 milhões. O Santander recebeu autuações de R$ 5,4 bilhões, discutidas nas esferas administrativa e judicial. O Itaú também já teve casos julgados no Carf. Em seu Formulário de Referência, o banco cita um deles, no valor de R$ 1 bilhão.
A PLR ainda é o instrumento de remuneração variável mais praticado no país, por ser de fácil implementação e ter bom benefício fiscal e trabalhista, segundo o advogado Caio Taniguchi, sócio da TSA Advogados. Ele acredita que a sanção da MP reduzirá litígios e tornará a PLR ainda mais atrativa. “Quem não faz hoje é pela dificuldade em negociar com sindicato ou porque tem medo das autuações fiscais”, afirma.
As alterações da MP 936 preveem pontos considerados cruciais para livrar as companhias das condenações que impõem pagamento de contribuição previdenciária sobre os valores distribuídos aos funcionários por meio de programas de PLR. A justificativa para as autuações é a de que as empresas não seguem os critérios estabelecidos para a isenção, como a assinatura do acordo entre empregados e empregador no ano anterior ao do benefício e regras claras e objetivas sobre as metas.
Segundo o texto, o plano deve ser assinado antes do pagamento e não mais necessariamente no ano anterior. Isso permitirá, por exemplo, que uma companhia pague PLR no segundo semestre deste ano sem ter feito o acordo em 2019 – ou modifique o acordo para a realidade da pandemia.
“A Receita entendia de um jeito muito rígido e que fugia da realidade. A MP traz para mais próximo do dia a dia e favorece a negociação”, diz Chede Suaiden, sócio do Bichara Advogados. Ele destaca que o novo texto determina que as parcelas de PLR deverão respeitar intervalo mínimo de 90 dias, mas que os pagamentos irregulares não levarão à autuação de todo o programa, apenas da parcela irregular.
Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da CUT, Juvandia Moreira defende a mudança e diz que a data-base dos bancários é 1º de setembro, mas o Fisco exige que a negociação de PLR seja fechada em dezembro do ano anterior. “Quando cria dificuldade, dá argumento para os patrões dizerem que não podem dar termos melhores porque são questionados e correm risco de pagar muito mais em processos”, diz. A PLR média dos bancários é de R$ 14 mil.
Segundo o relator da MP 936, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), além dos bancários, a mudança nas regras foi pedido dos metalúrgicos e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), setor que costuma usar esse tipo de bônus. “Nosso objetivo foi estabilizar juridicamente o pagamento da PLR”, afirma.
Ele fez uma mudança para garantir a participação dos sindicatos, que podiam ficar de fora pela MP 905. Na nova versão, o sindicato tem dez dias para indicar um representante e, se não fizer isso, a empresa fica livre para negociar diretamente com o trabalhador ou comissão paritária. Há casos no Carf de punições contra as empresas por acordos fechados sem o sindicato, mesmo quando foram intimados e não quiseram participar.
A autonomia das partes deve prevalecer na fixação de direitos e regras, como fixação de valores e metas. “Isso significa que a Receita ou mesmo o juiz do trabalho não podem se opor a metas e regras estabelecidas pelas partes, que sabem o que é melhor para estimular a produtividade”, diz Taniguchi.
Procurada pelo Valor, a Receita não quis comentar o assunto. Anfavea e Febraban não deram retorno até o fechamento da edição.
Publicado no Valor Econômico.