Em entrevista exclusiva nosso sócio e fundador, Thiago Taborda Simões, discute o impacto da pandemia na economia e no planejamento tributário das empresas brasileiras. Entre algumas das ferramentas disponíveis para companhias neste momento, Thiago detalha a experiência do escritório na penhora de faturamento, discute a possibilidade do uso de seguro em substituição a depósitos judiciais e avalia as possíveis repercussões da decisão do STF referente à criminalização do não pagamento de ICMS declarado.

Confira, a seguir, a segunda parte da entrevista. Ou clique para ler a primeira parte.

Em razão da crise provocada pela pandemia da Covid-19, além das medidas de auxílio emergencial, existem outras alternativas que podem ser aplicadas para que empresas tenham um fôlego adicional neste momento?

Thiago Taborda Simões: Uma alternativa, que não é nova, mas que voltou a ser mais discutida em razão da pandemia é o seguro em substituição a depósitos judiciais. Essa é uma alternativa de funding para as empresas. Neste momento em que companhias estão em um momento de falta de liquidez faz muito sentido.

O sistema securitário brasileiro é muito sofisticado, solvente e bastante regulado. Portanto, guardando as garantias necessárias, nada mais razoável do que permitir a substituição e transferir o risco para a seguradora.

Essa é uma antiga discussão jurisprudencial e existe uma resistência a realizar a substituição, mas com a crise provocada pela pandemia há, no momento, uma motivação maior para os tribunais aceitarem a possibilidade.

É um argumento que temos utilizado, e obtido decisões favoráveis, em mandados de segurança e liminares, inclusive para suspender o recolhimento de encargos previdenciários sobre a folha salarial, por exemplo, em razão do estado de calamidade decretado pelas esferas estadual, federal e municipal.

Baseado nessa mesma argumentação temos observado muitas decisões autorizando a substituição de depósitos judiciais. Mas é importante destacar que é um recurso que a legislação atual já permite. Existe, inclusive, uma norma bastante clara no sentido de que a execução deve ser feita sempre da maneira menos dolorosa ao devedor, quando existem duas alternativas que seja aplicada a menos gravosa. É mais uma questão de entendimento do Judiciário do que da necessidade de qualquer regulamentação específica.

“Quando o negócio é viável o pior resultado é a companhia fechar as portas, perder todo seu patrimônio, extinguir vagas de emprego, e os credores ficarem sem receber”, aponta Thiago Taborda Simões


Um dos pontos que você têm trabalhado na TSA Advogados é a possibilidade de penhora de faturamento, inclusive em um caso recente em que obtiveram sucesso com essa estratégia. O que é esse dispositivo e como que ele pode auxiliar empresas?

Thiago Taborda Simões: Esse é um caso e exemplo interessante porque a empresa, embora não atendesse o governo, atuava junto a multinacionais e bancos que exigiam a certidão de regularidade fiscal conjunta da Receita para pagar as suas faturas. O que aconteceu é que a empresa perdeu um processo importante no CARF, abriu um débito externo que foi escrito em dívida ativa, e, com isso, perdeu a certidão.

Uma situação extremamente difícil porque, com isso, a companhia perdeu imediatamente o acesso a todo o crédito que tinha no mercado e, sem a certidão, não conseguia receber de seus clientes.

Tentamos uma série de alternativas quando a empresa estava em execução fiscal como oferecer precatórios, patrimônio, imóveis, etc., sem sucesso. Então, trabalhamos muito para demonstrar que a única alternativa era a penhora de faturamento, que o juiz acabou aceitando. Foi uma proposta complexa em que oferecemos 0,5% do faturamento mensal e 20% do lucro líquido anual.

Com isso recuperamos a certidão e revertemos a situação. A companhia recuperou imediatamente seu valor de mercado e pudemos continuar atuando com outras medidas para tornar o negócio novamente viável.

Esse foi um caso em que ficamos muito satisfeitos porque a empresa é um grande empregador e pudemos ter participação decisiva na manutenção da sua atividade. O advogado tributarista, muitas vezes, fica um pouco distante da realidade, mas nesse processo atuamos diretamente para viabilizar a empresa e permitir que milhares de empregados fossem mantidos.


No contexto pós-pandemia em 2021, quando as medidas emergenciais devem acabar e o número de pedidos de recuperação deve aumentar, todas essas estratégias são alternativas para as empresas?

Thiago Taborda Simões: Todas são opções e alternativas que devem ser consideradas. Não existe uma fórmula mágica ou padrão, cada caso é um caso. No contexto geral considero que temos que ter em mente que o ponto de partida é sempre mostrar, de maneira muito concreta e razoável, seja para o juiz, seja para o procurador, qual é a condição da companhia.

Com transparência colocar na mesa todos as informações financeiras e fiscais e apresentar a situação. Quando o negócio é viável o pior resultado é a companhia fechar as portas, perder todo seu patrimônio, extinguir vagas de emprego, e os credores ficarem sem receber.

Temos que atuar para que a empresa continue trabalhando e assim consiga pagar uma grande parte do seu passivo. Para isso é preciso trazer o fisco para a mesa de negociação e montar um plano de recuperação fiscal. Esse é o caminho.


No final de 2019 o STF tomou uma decisão a respeito da criminalização do não pagamento de ICMS declarado. No contexto do processo de recuperação judicial, como a questão da imputação criminal por dívida tributária pode ter impacto?

Thiago Taborda Simões: Essa decisão é uma que nos deixou bastante preocupados. Até então o entendimento pacificado era de que se separava absolutamente o inadimplemento do sonegador. O mero inadimplemento não é considerado crime, e essa é uma conquista do direito privado, uma evolução da sociedade, como a extinção da prisão por dívida. Prender quem deve é uma questão ultrapassada, suprimir a liberdade da pessoa por dinheiro é terrível.

Agora, lendo os votos dos ministros, podemos chegar a algumas conclusões. Houve uma construção de um tipo penal por meio de uma construção de fatos, sendo um deles o inadimplemento. O contexto formulado é o da inadimplência aliada à vontade e ato contumaz, é a utilização do inadimplemento como estratégia empresarial. Não é simplesmente não conseguir pagar os tributos, é administrar os tributos como estratégia, colocar isso na margem da empresa e, com isso, ter um alcance competitivo melhor.

Isso existe. Alguns mercados e nichos tem isso como regra, como estratégia que viabiliza o negócio. Me parece que são esses os casos que o STF quer abordar com essa decisão.

Thiago Taborda Simões

“No caso da criminalização do não pagamento de ICMS declarado, ainda precisamos construir esse conceito para definir uma regra justa que possa punir sem atropelar as garantias dos direitos fundamentais”, afirma Thiago Taborda Simões


Quais são as dificuldades de aplicar esse entendimento na prática?

Thiago Taborda Simões: O ponto é que existe uma zona cinzenta e depende de muitas variáveis para se chegar a uma conclusão. Como diferenciar quem, em uma situação de crise, perdeu clientes, perdeu faturamento e ficou inadimplente, de quem realmente pensou uma estratégia negocial de competitividade na qual a inadimplência é uma prática reiterada e compulsiva?

O conceito de dar um tratamento jurídico diferente para esses dois contribuintes inadimplentes – um que simplesmente não conseguiu pagar, e o outro que é o inadimplente contumaz – faz sentido e é positivo. Porque essa empresa prejudica o mercado. Como alguém pode competir com uma companhia que ter por estratégia não pagar impostos?

A preocupação que fica e a reflexão que temos que fazer é ponderar quais são os mecanismos de comprovação da situação fática em cada caso. Como vamos distinguir esses dois casos para não cometer injustiças. A questão ainda é muito nova e não temos a resposta. Ainda precisamos construir esse conceito para definir uma regra justa que possa punir sem atropelar as garantias dos direitos fundamentais.

Leia a primeira parte da entrevista com Thiago Taborda Simões.

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Um escritório com mais de 15 anos de história no direito empresarial e a primeira banca do Brasil a obter a certificação ISO 37.001:2017, relativa a gestão antisuborno e Compliance.