Entrevista Thiago Taborda Simões – Parte 1: As perspectivas da recuperação judicial no Brasil
Em entrevista exclusiva nosso sócio e fundador, Thiago Taborda Simões, discute o impacto da pandemia na economia e no planejamento tributário das empresas brasileiras. Entre os temas analisados estão as perspectivas do aumento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial em decorrência da crise, a revisão da Lei de Falências atualmente em discussão no Congresso Nacional, e a possibilidade da exigência da certidão de regularidade fiscal como pressuposto nos processos de recuperação judicial.
Confira, a seguir, a primeira parte da entrevista:
Existe uma percepção de que devemos registrar um aumento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial no Brasil nos próximos meses. Como você vê esse cenário?
Thiago Taborda Simões: Esse é um tema extremamente relevante nesse momento. A própria urgência com que o Congresso Nacional tem tratado o assunto, a alteração na Lei 11.101 (Lei das Falências), reflete também um sentimento do mercado de que nós estamos diante de um cenário em que haverá uma onda enorme de empresas insolventes.
Isso ainda não ocorreu. Até outubro o auxílio emergencial ajudou as pessoas físicas. E no caso das pessoas jurídicas o Fundo Garantidor para Investimentos (FGI) do BNDES aumentou significativamente sua linha especial garantida de 80% pelo Tesouro. Foram alguns bilhões de reais despejados na economia por meio das instituições financeiras. É um recurso muito barato, na faixa de 6% ao ano.
Mas a impressão é que isso apenas empurrou para frente o problema, que ainda vai se materializar. Principalmente entre pequenas e médias empresas que não têm grandes fontes de financiamento, não podem ir à bolsa ou emitir debêntures, e não têm capacidade de buscar dinheiro barato lá fora. Nessa faixa imaginamos que haverá um aumento importante no número de pedidos de recuperação judicial e falência.
“A exigência da certidão de regularidade fiscal como pressuposto da recuperação judicial causaria uma mudança completa no planejamento das empresas e nos próprios planos de recuperação”, diz Thiago Taborda Simões
E qual a perspectiva para esse grupo de empresas?
Thiago Taborda Simões: Nesse contexto, o mercado está bastante maduro no que diz respeito às ferramentas que são colocadas à disposição para administrar a insolvência privada. Mas o que está sendo discutido agora é a ideia de colocar os créditos tributários com concursais, isso para equacionar também os problemas fiscais. Essa novidade, que é a pretensão de exigência da certidão de regularidade fiscal como pressuposto da recuperação judicial, causou calafrios no mercado.
A nossa experiência na TSA Advogados mostra que, se uma empresa tem uma dívida no mercado, é muito provável que seu débito com o fisco seja ainda maior. Isso por várias razões, porque o mercado é mais agressivo, porque o empresário tem uma relação mais próxima com o seu fornecedor ou parceiro comercial, e os débitos fiscais são mais distantes. O fisco estadual paulista, por exemplo, é muito rápido no protesto e na cobrança, mas em geral o fisco tem uma velocidade de cobrança menor do que os credores privados.
Então, quando o empresário está nesta situação, ele vai priorizar pagar a sua folha, pagar matéria-prima, energia elétrica, e o fisco vai ficando acumulado. Até hoje foi sendo administrado dessa forma. As próprias empresas em recuperação judicial colocam muita energia na resolução do passivo privado e administram de uma maneira mais confortável os débitos fiscais. Isso é um enorme problema, mas esse é o cenário.
Agora, a partir do momento em que existe a exigência da certidão de regularidade fiscal como pressuposto da recuperação judicial, a estratégia da empresa precisa mudar completamente.
A possível exigência da certidão de regularidade fiscal para recuperação judicial pode ter um impacto importante nesses processos?
Thiago Taborda Simões: Sim, é uma mudança estrutural. Essa norma, se materializada dessa maneira, vai causar uma mudança total no planejamento e nos próprios planos de recuperação judicial, que terão que contemplar isso. Não é apenas ter a certidão, mas colocar os créditos tributários de natureza concursal, ou seja, sujeitos aos efeitos da recuperação.
Ainda não sabemos como será essa dinâmica. A legislação é muito complexa e colocando um débito fiscal como concursal você coloca na mesma mesa de negociação o banco, o fornecedor, o credor trabalhista, o quirografário e o tributário. Imagine uma assembleia em que todos esses interessados precisam negociar e decidir como vão se compor.
É um cenário muito mais complexo, ainda mais quando você tem princípios como a irrenunciabilidade do crédito tributário. Nesse contexto o representante do fisco vai ter que sentar na mesa e negociar, ele vai ter que dar desconto considerando o contexto.
Incluir os débitos fiscais no contexto da recuperação judicial dessa forma pode inviabilizar alguns desses processos?
Thiago Taborda Simões: Primeiro precisamos entender qual é o princípio da recuperação judicial. A ideia é que temos um negócio viável e uma empresa com problemas. Esse é o perfil da empresa aderente a uma recuperação judicial. O negócio precisa ser bom, ou seja, precisa gerar caixa, precisa gerar lucro, gerar empregos e entregar produtos e serviços para a sociedade. Por isso, é desejável que ele continue no mercado.
Nesse cenário, de que o negócio é atrativo, olhamos para o caso de uma empresa em dificuldades. A companhia faturava 200, por exemplo, gerou passivo e encolheu. Agora ela fatura 60, só que carrega o passivo de quando faturava 200. Ela tem um bom negócio, mas se não tiver ajuda não conseguirá sair desse buraco porque ele é impagável.
Nesse caso os credores são convidados a sentar na mesa e os dois lados têm obrigações e direitos. O recuperando ele tem que se sujeitar ao plano, negociar e pagar a sua dívida e se sujeitar à administração da justiça através do administrador judicial. Os credores têm o direito de receber a dívida mas têm a obrigação de negociar.
É o que o professor Daniel Carnio Costa, juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP, chama de Teoria da Superação do Dualismo Pendular. Supera-se a ideia de que a recuperação judicial existe para ajudar o devedor ou para ajudar os credores. O que se procura é preservar o bem público, que pode ser a geração dos empregos, ou a entrega dos produtos e serviços, e a sobrevivência daquele bom negócio que tem viabilidade econômica e beneficia a sociedade.
Portanto, nesse contexto, os débitos fiscais devem ser sopesados de maneira a não inviabilizar a recuperação. Uma recuperação já é difícil só com os débitos financeiros. Portanto, será necessária a negociação e uma legislação que dê liberdade e condições para que o representante do fisco realmente possa negociar com vistas a estabelecer um plano viável.
E é uma mudança de paradigma também para o fisco. Vamos colocar em uma mesma mesa credores que têm culturas diferentes. Então vai haver a necessidade de uma flexibilidade muito grande de todos para que uma recuperação judicial seja vitoriosa.
“O que se procura [no processo de recuperação judicial] é preservar o bem público, que pode ser a geração dos empregos, ou a entrega dos produtos e serviços, e a sobrevivência daquele bom negócio que tem viabilidade econômica e beneficia a sociedade”, afirma Thiago Taborda Simões
E quais as outras opções que companhias têm para equacionar seus débitos fiscais?
Thiago Taborda Simões: Nós temos alternativas como, por exemplo, o questionamento judicial das dívidas. Hoje existem muitas matérias em discussão e decisões recentes do STF sobre questões tributárias. Nós tivemos recentemente, por exemplo, decisão que exclui o ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.
Como exemplo, o estado de São Paulo por um longo período aplicou aqui uma taxa de juros que ficava entre 15% e 20% ao ano. O estado tem total competência para fixar qual é o seu índice de correção. Mas o STF já pacificou o entendimento de que, embora os estados tenham esta prerrogativa, estão limitados no que tange ao índice de correção e juros praticado pelo Governo Federal, que é a Selic.
Em caso que atuamos com a TSA Advogados, por exemplo, assessoramos um cliente que estava no Programa Especial de Parcelamento (PEP) de São Paulo. Ele pagou à vista um débito que era de mais de R$ 1 bilhão e que, com o desconto, chegou a R$ 400 milhões. Feito a troca do índice, o débito caiu para R$ 324 milhões.
Leia a segunda parte da entrevista com Thiago Taborda Simões.